Uma vida simples
桃姐 – Tou ze – Uma Vida Simples (2011)

桃姐

Uma vida simples

de Ann Hui
Por
Daniel Flores
em
1/2/2022

Não se sabe a circunstância pela qual Chun Chun-Tao veio a ficar órfã, apenas que ao perder o pai adotivo, foi enviada em tenra idade para servir à família Leung, a qual tem servido há 60 anos. Realocados para os Estados Unidos, coube a Tao seguir trabalhando para o único membro da família remanescente em Hong Kong, o jovem produtor de cinema Roger, o qual ela criou desde bebê.

Tao sofre um derrame e é levada às pressas para o hospital. Roger acompanha na ambulância. Uma vez estabilizada, ele a visita e divide ideia de contratar outra empregada. Não para substituí-la, mas para lhe fazer companhia. Mas Tao já tomou sua decisão. "Depois do primeiro derrame, vem o segundo", ela comenta, informando de sua decisão por se aposentar numa residência para idosos.

O roteiro de "Uma vida simples" parece, à primeira vista, conter elementos suficientes para se materializar num filme cheio de armadilhas sentimentais. A diretora Ann Hui, entretanto, opta por um registro cru por boa parte do filme, sem grandes apelos de edição e sem denúncia. Não há conflito. Tao, impossibilitada de executar suas tarefas, acredita que a saída digna seja o isolamento.

E assim, sua vontade é respeitada. Mas onde ela pensava que viveria uma vida de solidão e esquecimento, encontra, em contrapartida, o amparo da família que ela criou e serviu por quatro gerações. Atenção que deveria ser nada menos que a regra, mas que infelizmente não se observa de maneira trivial na sociedade.

É interessante observar a postura de Roger antes do derrame. Enquanto Tao é protetora e zelosa, Roger goza das facilidades de uma vida assistida por uma criada com a indiferença e insensibilidade típicas de um garoto mimado. Seria o derrame um evento traumático capaz de fazê-lo perceber o quão importante ela é em sua vida, motivando assim uma nova fase em seu relacionamento com Tao? Talvez uma nova fase para ambos: ela agora doente, conhecendo o afeto; ele empático, humano.

O filme certamente proporciona uma reflexão acerca da figura da babá (e criada e empregada) na sociedade moderna, e sua frágil posição no tecido social. Muitas vezes, os limites que se traçam nas relações de trabalho não são óbvios nem de fácil designação, de difícil caracterização, abrindo margem para a exploração. E, neste sentido, gratifica constatar, em "Uma vida simples", a candura e humanidade com que se tratam duas pessoas que genuinamente se gostam.